Texto por: Luiza Mara da Silva
Coordenadora de Políticas dos Direitos Humanos da População em Situação de rua – Sedese
Começo falando sobre Minas Gerais, este Estado que hoje têm, pelo CadÚnico e Polos de Cidadania da UFMG, 19.147 pessoas que não tem moradia, pessoas que utilizam espaços e logradouros públicos para sobreviver; 19.147 pessoas que se ajeitam cômoda na rua tentando SÓ se manter vivas.
19.147 pessoas em situação de rua.
Já pensou nas 19.147 pessoas sem lugar para voltar?
Sem nenhuma dignidade de um direito básico, o direito de morar.
Sempre me assusto com esses números.
No Brasil já são 162.157 pessoas em situação de rua.
Essas pessoas, as que estão nos números não somam toda a população em situação de rua no Estado e no País. Em Minas, essas 19.147 pessoas, são as que conseguem chegar num equipamento da assistência social, o cadastro no CadÚnico e somar mais um número.
Mas nós, a galera que todo dia faz um pouco dessa política, nós temos plena consciência de que nem todos conseguem chegar aos serviços.
Isso que chamamos de acesso, que é para além de ter um equipamento que diz que atende; isso não é para qualquer um que sobrevive na rua, e sabe por quê?
Porque algumas vezes, este lugar, este equipamento que deveria acolher não acolhe.
Algumas vezes esses equipamentos não compreendem o lugar de direito das pessoas em situação de rua.
Já reconhecemos que é importante humanizar pessoas para atender pessoas, a capacitação para esta estratégia já vem sendo pensada.
Voltando ao ponto anterior, muita gente não chega aos serviços por sentir que esses serviços às violam, é preciso mudar esta realidade.
Bom, essas 19.147 pessoas têm cor, e na sua maioria, 80% se autodeclaram negras. É possível identificar a cor, contudo o gênero ainda precisa de avanços.
Apesar de 80% das pessoas em situação de rua ser tipificadas como sendo do gênero masculino não se observa a coleta deste dado considerando a não binaridade de gêneros.
É preciso conhecer essa população, mas, com tantas adversidades, as pessoas em situação de rua se tornam INCONTÁVEIS, e não sendo parte da conta fica muito mais fácil invisibiliza-los.
Atualmente, em Minas, temos 12 cidades com grande concentração da pop de rua, e neste universo dos 853 municípios mineiros, 500 apontam algum registro de pessoas em situação de rua.
E o Direito à rua?
Estamos falando de indivíduos que se encontram em extrema vulnerabilidade, vulnerabilidade social e estão além da caixinha da assistência social.
Parece que vou falar mais do óbvio, mas tenho por vezes a sensação de que muita gente não compreende que esse social é a falta do morar, de comer, de poder usar um banheiro, lavar a mão, conseguir beber água potável, esse social é o de não ter trabalho, afeto, não ter escuta, de por vergonha de sua condição e de como as pessoas os percebem, de não acessar uma unidade de saúde. É a falta de direto à dignidade humana.
Então, não há, em minha opinião baseada nas minhas vivências, nesta política, como o direito à rua acontecer se não discutirmos essa política nas caixinhas do social e da saúde.
É preciso entender que a política precisa ser pautada sob a ótica da rede de atenção intersetorial para população em situação de rua (RAIPOPRUA), enquanto essa rede não se consolidar corremos mais riscos de violar direitos do que proporcionar autonomia dos sujeitos.
Lembrando que “QUASE” todos que atuam nessa política têm a escolha de trabalhar com essa política, e é sim uma ESCOLHA para grande maioria.
Cada profissional dos que estão na ponta, na gestão ESCOLHEM trabalhar com pop de rua.
Os parlamentares que apoiam e ajudam nessa política escolheram fazê-lo.
As entidades públicas e privadas, universidades, sociedade civil, todos escolhem estar onde estão.
Só quem nunca teve ESCOLHA, que fique MARCADO, quem não teve escolha é o povo que está na rua.
Essa política também não é uma escolha, além de hoje ser uma necessidade cada vez mais evidente de ser qualificada e fortalecida é uma dívida histórica.
É essa política que precisa ser pensada por tantos e não pode ser construída sem a participação de quem tem lugar de fala.
Aqui em Minas, a gente acredita que o primeiro passo é a moradia digna.
Para tudo isso acontecer:
A gente precisa de Estado e Municípios caminhando próximos.
A gente precisa da galera da saúde, trabalho emprego e renda, educação, da assistência social, da cultura, da habitação, do esporte.
A gente precisa falar dessa política com a galera da segurança, do comércio.
A gente precisa da sociedade civil, essa que banca projeto e chama a gente para o rolê de modificar a realidade de quem não é visto.
A gente precisa do apoio e engajamento dos nossos políticos seja para emenda ou apoiar e construir propostas para essa política, com aconteceu aqui em Minas Gerais, que através de fóruns organizados pela Assembleia em parceria com o Estado elaboraram o guia de recomendações para população em situação de rua.
A gente precisa da galera do Ministério Público, da Defensoria Pública, do Judiciário que nas experiências aqui em Minas são grandes parceiros no fortalecimento de potentes projetos como moradia primeiro e o TCT para Catadores.
A gente precisa do povo da rua, de comitês estaduais, municipais, precisamos escutá-los para fazer junto essa política.
A gente precisa do Centro de Defesa, previsto em lei e no plano estadual de políticas para população em situação de rua, o Centro que têm nos mostrado dados sobre denúncias, fortalecido a garantia de direitos nas cidades e que tem um alcance do tamanho deste Estado.
E falei muito da gente porque essa política não se faz de um lugar só, e ela ainda é bem jovem, uma adolescente de 12 anos, mesmo existindo gente na rua desde a “abolição” da escravidão.
A Coordenadoria da Política dos Direitos da População em Situação de Rua estará sempre à disposição para avançar nesta política; que é para eles, por eles, mas que só acontece se for feita com eles.
Compartilhamos com vocês um dos momentos do Encontro Estadual, através das palavras da Luiza Mara, nossa parceira da Sedese. O texto foi apresentado por ela na live de abertura do evento, no dia 11 de junho.
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